A História da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial e o seu Doloroso Fracasso a Nível Global
"Cerca de um terço da população de rua e pelo menos dez por
cento da população carcerária é constituída de doentes mentais".
(E. Fuller Torrey, Psychiatrist: How America's Failure to
Treat the Seriously Mentally Ill Endangers Its Citizens.
Cathleen Cerny, MD; American Academy of Psychiatry and the Law).
“A redução de leitos psiquiátricos em hospitais públicos
aumentou o risco de suicídio em pelo menos 81 suicídios por ano
estatisticamente atribuíveis.” (Tim-Allen Bruckner, Ph.D;
Jangho Yoon, Ph.D; Richard Scheffler; University of California,
Berkeley, Deinstitutionalization and Suicide in the United
States. National Institute of Mental Health).
Reforma Psiquiátrica – Breve
Histórico e Observações
Embora estejamos no Brasil, não é de modo algum possível
entender o que está se passando no território da saúde mental
nesta nação a não ser que se conheça um mínimo da história
recente do que ocorreu (e que continua ocorrendo) com a saúde
mental nos Estados Unidos da América e também em alguns países
europeus. Por ora, o que se pode dizer é que a "reforma
psiquiátrica" no Brasil é uma cópia literal de modelos de outras
nações. E é o que pretendemos mostrar a seguir. Iniciaremos com
um breve histórico do que ocorreu nos EUA uma vez que não
infrequentemente é daquela nação que se “criam” os modelos
brasileiros. Ressaltando, todavia, que toda a concepção e
orientação política e ideológica dos atuais modelos políticos de
abordagem em saúde mental se encontram estreitamente vinculados
a uma relação de dupla via entre os EUA e a Organização Mundial
de Saúde (OMS), órgão subordinado às Nações Unidas (ONU).
Breve Histórico
Norte-Americano
Em 19 de fevereiro de 1909, o Comitê Nacional de Higiene Mental
dos Estados Unidos foi inaugurado por Clifford Beers, graduado
da Universidade de Yale, e que não coincidentemente tinha
experimentado sérios problemas mentais ele próprio, assim como
também teve de passar por hospitalização. Com o auxílio de
William James, Adolf Meyers, e outros, a organização foi
formada.
Os seus objetivos eram servir como um "fator de higienização"
para a nação no que dizia respeito ao tema da saúde mental, a
prevenção de transtornos mentais, além de cuidados e tratamento
para os doentes mentais" (Torrey, 1988). A essa altura, Clifford
Beers se encontrava mais interessado nas reformas em hospitais
do que em prevenção, mas acabou por ser persuadido a adotar a
então atual e popular tendência em direção à perspectiva
freudiana.
Freud acreditava que a vida das pessoas era dominada não por uma
mente plenamente consciente, mas sim pelas forças do
inconsciente. Freud também acreditava que motivações sexuais
inconscientes seriam o cerne da doença mental (Lahey, 1992).
Através da teoria sobre a "falta de expressão da motivação
sexual", ele involuntariamente encorajou a crença de que a
prevenção da doença mental era possível, e este fato precipitou
uma concentração de esforços não em tratamento, mas em prevenção
como sendo a questão primordial.
Em 1945, havia 3.000 psiquiatras trabalhando nos Estados Unidos
e 53% trabalhavam no setor público (Torrey, 1988). A saúde
mental era ainda uma preocupação crescente, e em 3 de julho de
1946, o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) foi formado.
Daí para frente, houve grandes avanços farmacológicos para o
tratamento de transtornos mentais severos com a introdução dos
antipsicóticos. Em maio de 1954, a Clorpromazina (Thorazine)
chegou ao mercado e no curto prazo de oito meses, foi
administrada a mais de dois milhões de pacientes (Isaac & Armat,
1990). A Clorpromazina foi descoberta na França por Henri
Laborit e foi inicialmente desenvolvida e sintetizada na busca
por um melhor anti-histamínico. A Reserpina (Raudixin) foi
desenvolvida nos Estados Unidos pela Ciba Pharmaceuticals (Isaac
& Armat, 1990). Atualmente, a Reserpina é raramente utilizada
para o tratamento da hipertensão. Ambas as drogas foram saudadas
como tratamento eficaz no controle dos sintomas de transtornos
psicóticos (Torrey, 1988).
A Comissão Mista para Doenças
Mentais e Saúde
A lei do Estudo sobre Saúde Mental de 1955 foi introduzida na
legislação norte-americana em 28 de julho de 1955, o que
resultou na nomeação pelo Instituto Nacional de Saúde Mental
(NIMH) da Comissão Mista para Doenças Mentais e Saúde com a
finalidade de "avaliar as necessidades dos doentes mentais e
apresentar recomendações ao Congresso para futuros programas."
A Comissão Mista para Doenças Mentais e Saúde definiu como saúde
mental positiva: "as atitudes do indivíduo para consigo próprio;
o grau com que o indivíduo percebe suas potencialidades através
de ações; unificação da função na personalidade do indivíduo; o
grau de independência de influências sociais; como o indivíduo
vê o mundo ao seu redor; e a capacidade do indivíduo para
aceitar a vida como ela é e saber administrá-la" (Torrey, 1988).
A Comissão Mista realizou um estudo de seis anos intitulado Ação
para a Saúde Mental (Isaac & Armat, 1990). O relatório,
divulgado em 1961, recomendava o aumento do número de hospitais
existentes ; estabelecer limites no número de internações
hospitalares quando o limite máximo já houvesse sido atingido,
com uma capacidade máxima de mil indivíduos por unidade
hospitalar, maior utilização de enfermarias psiquiátricas; e
conversão dos hospitais do governo em centros para "cuidados
combinados a longo prazo para todas as doenças crônicas,
incluindo as doenças mentais" (Isaac & Armat, 1990). Igualmente
recomendou a criação de centros comunitários de tratamento, se
possível uma clínica para cada área com cinqüenta mil pessoas.
No entanto, salientou que o mais importante era "que o conceito
de prevenção era apenas um sonho, uma quimera." (Isaac & Armat,
1990).
John F. Kennedy era o então presidente dos EUA e estava
pessoalmente interessado em adotar essa legislação sobre saúde
mental, porque sua irmã Rosemary sofria de retardo mental,
embora este fato não tenha sido reconhecido na época,
principalmente devido ao estigma. Kennedy nomeou uma comissão
para rever a "Ação para a Saúde Mental" e a maioria das
recomendações foram ignoradas, exceto no que dizia respeito à
criação de centros comunitários de tratamento.
Kennedy, equivocadamente, acreditava que a prevenção primária e
a redução dos hospitais do Estado poderia ser alcançada através
de centros comunitários de tratamento voltados para a atenção em
saúde mental. Em seu discurso The Dream (O Sonho), Kennedy
afirmava: "Aqui mais do que em qualquer outra área, um grama de
prevenção vale mais do que um quilo de cura. Pois a prevenção é
muito mais desejável para todos os interessados. É muito mais
econômico e tem mais probabilidades de ser bem sucedida".
Kennedy fomentou a crença de que o principal problema era a
existência de cuidados de saúde mental em regime hospitalar, e
não a doença mental em si. (Isaac & Armat, 1990).
Kennedy prometeu: "Se lançarmos um novo programa de saúde mental
agora, será possível dentro de uma década ou duas reduzir o
número de pacientes em tratamento em regime de internação em 50%
ou mais." Kennedy também prometeu que a "confiança na
misericórdia fria do isolamento sob custódia hospitalar seria
suplantada pelo amplo calor da preocupação da comunidade" (Isaac
& Armat, 1990).
O Início do Fim
Assim nascia a Lei dos Centros Comunitários de Saúde Mental
(CMHC Act). Uma vez que havia pouco, se não nenhuma, evidência
científica de que a prevenção seria uma meta alcançável, o
Congresso norte-americano concentrou-se na meta de redução das
populações hospitalares de doentes mentais. Infelizmente,
ninguém pensou sequer em perguntar, para onde irão todos esses
pacientes após a alta hospitalar? Chega a ser absolutamente
espantoso quando se considera que naquela altura não havia
nenhum programa do governo para financiar o regresso dos doentes
mentais com alta hospitalar, e também não houve quem indagasse o
seguinte: Para onde irão eles?
No final de outubro de 1963, John F. Kennedy assinou a
legislação para a criação dos Centros Comunitários de Saúde
Mental (Community Mental Health Centers – CMHC). Começava assim,
oficialmente, a desinstitucionalização, a chamada reforma
psiquiátrica ou luta antimanicomial.
Em maio de 1964, o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA
(NIMH) instituiu as diretrizes para os serviços essenciais que
seriam fornecidos pelos Centros Comunitários de Saúde Mental
(CCSM). Surpreendentemente, nenhuma das orientações da nova lei
incluía ou determinava uma coordenação de serviços ou sequer a
comunicação entre um hospital e os CCSM. Os resultados se
provaram catastróficos, uma vez que os CCSM não eram sequer
informados sobre os pacientes que recebiam alta dos hospitais.
Os pacientes despejados dos hospitais necessitavam de cuidados,
pelo menos a fim de que recebessem medicação e aconselhamento
com vistas à reabilitação, o que incluiria os recursos
comunitários. Também os pacientes com potencial necessidade de
tratamento em regime de internação hospitalar não eram
encaminhados para os CCSM (Torrey, 1988).
Alguns argumentaram que a verdadeira força por detrás da
desinstitucionalização estava relacionada ao assunto das verbas
federais, pois em 1965 o governo incentivou o processo de
desinstitucionalização, introduzindo vários programas,
principalmente o Medicaid e Medicare, que só trariam benefícios
para os pacientes, todavia não nos hospitais do governo. (Isaac
& Armat, 1990) .
Em suas fases iniciais (início dos anos 60), a
desinstitucionalização não se configurou em um grande problema,
e isto porque a primeira leva de pacientes despejados dos
hospitais era composta por indivíduos consideravelmente
funcionais e que haviam mantido algum grau de proximidade com as
suas famílias, sendo assim, 2 / 3 desta leva de pacientes passou
a viver com a família após serem liberados dos hospitais.
Os médicos psiquiatras tinham pouco, ou mesmo nenhum,
conhecimento ou compreensão dessa nova política para a saúde
mental. Todos os hospitais do governo foram considerados
suspeitos e mantidos sob escrutínio, e ainda sendo acusados como
se fossem eles o problema em si. Já os Centros Comunitários de
Saúde Mental foram rotulados como sendo a solução.
A Psiquiatria nesse período foi grandemente desconsiderada,
muitos diretores e superintendentes dos hospitais do governo
foram reavaliados, mas não por seu trabalho ou por seu
desempenho, mas pelo número de leitos vazios que podiam produzir
nos respectivos hospitais. Por esse e outros motivos, ninguém
mais queria trabalhar no setor público. Entre 1970-75, o número
de psiquiatras dispostos a trabalhar no setor público (incluindo
os CCSM) diminuiu 50% e foram substituídos por psicólogos e
assistentes sociais (Isaac & Armat, 1990).
Vários hospitais públicos começaram a ter suas vagas preenchidas
por médicos estrangeiros. Novas leis de imigração tornaram menos
difícil para os profissionais de outros países emigrar para os
EUA, especialmente médicos. Muitos hospitais do governo
iniciaram programas de residência médica porque a maioria dos
médicos estrangeiros havia recebido pouca ou nenhuma formação
psiquiátrica dentro do seu próprio país (Torrey, 1988).
Numerosos estudantes não eram capazes de passar nos exames para
a obtenção da autorização para exercer a medicina nos EUA devido
à má formação, falta de competência e também aos problemas
linguísticos. Pelo menos 43 estados americanos modificaram suas
leis para que eles pudessem receber a autorização para clinicar
nos EUA sendo-lhes concedidas "autorizações especiais do
governo" (Torrey, 1988).
Os Centros Comunitários de
Saúde Mental Falham em Cumprir suas Promessas
Com as taxas de desinstitucionalização se elevando cada vez
mais, a proporção de doentes portadores de doença mental grave
tratados nos CCSM decresceu. Ironicamente, os CCSM estavam no
mesmo barco que os hospitais do governo, os quais foram
obrigados a recorrer cada vez mais aos médicos estrangeiros.
(Isaac & Armat, 1990). Tornou-se evidente que o que estavam
fazendo os CCSM era "atuarem em aconselhamento e intervenção nas
previsíveis crises relacionadas às necessidades de
sobrevivência". (Isaac & Armat, 1990).
Em 1975, relativamente poucos CCSM estavam em conformidade com
os primeiros cinco serviços essenciais que haviam sido
originalmente preconizados (em forma de protocolos de
tratamento) pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, em
maio 1964. 50% deles não possuíam leitos, e poucos ou mesmo
nenhum serviço de emergência psiquiátrica. Somente 6% possuíam
atendimentos-dia, e quase todos estavam pobremente supridos de
pessoal (Torrey, 1988).
De fato, a maior parte do pessoal que trabalhava nos Centros
Comunitários de Saúde Mental considerava difícil e onerosa a
tarefa de trabalhar com os doentes mentais graves. A lei dos
CCSM foi revista e passou com os mesmos cinco serviços iniciais,
acrescidos de mais sete. *Os sete novos serviços eram:
1. Triagem dos pacientes antes da admissão em hospitais públicos
2. Cuidados de seguimento para os egressos de hospitais
psiquiátricos
3. Desenvolvimento de instalações para a transição dos doentes
mentais e fornecer serviços especializados como os a seguir
listados:
4. Centros de tratamento para crianças
5. Centros de tratamento para idosos
6. Centros de tratamento para usuários de drogas
7. Centros de tratamento para abusadores do álcool (Torrey,
1988).
*Nota: Não deve ter passado despercebida a inequívoca
semelhança com os Centros de Atenção Psicossocial brasileiros.
Os CAPSI (que tratam adultos em municípios com populações
reduzidas); os CAPSII e os CAPSIII (para cidades maiores); os
CAPSAD (que tratam os pacientes com transtornos mentais
relacionados ao uso de álcool e drogas); e os CAPSi (infância e
adolescência).
Em 1977, o secretário do Departamento de Saúde, Educação e Bem
Estar Social dos EUA estabeleceu uma Força Tarefa para a
Desinstitucionalização dos deficientes mentais, e isto porque
havia se tornado evidente para todos que os Centros Comunitários
de Saúde Mental não estavam dando certo e estavam sendo
utilizados apenas para aconselhamento e reabilitação (não para
tratamentos psiquiátricos eficazes). ( Isaac & Armat, 1990).
*Com base neste relatório, a Força Tarefa para Programas
Comunitários de Apoio (CSP) começou a ser direcionada "para uma
população particularmente vulnerável - doentes psiquiátricos
portadores de transtornos mentais severos e persistentes"
(Torrey, 1988). O Instituto Nacional de Saúde Mental havia
estabelecido a Força Tarefa para Programas Comunitários de Apoio
(CSP) reconhecendo as falhas do programa dos Centros
Comunitários de Saúde Mental, embora muito longe de o admitir
publicamente (Isaac & Armat, 1990).
*Nota: Observe a redação do Ministério da Saúde
brasileiro com relação aos Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS):
"Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços de saúde
mental abertos e comunitários do Sistema Único de Saúde – SUS
destinados a prestar atenção diária a pessoas com transtornos
mentais severos e persistentes. Seu objetivo é oferecer
atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o
acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo
acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e
fortalecimento dos laços familiares e comunitários." (Ministério
da Saúde; Portal Saúde; CAPS)
Concluindo, mais de três décadas de políticas de
desinstitucionalização resultaram em pelo menos dois relatórios
de forças tarefas (um em 1985 pela Associação Psiquiátrica
Americana e outro em 1992 pelo Departamento de Saúde e Serviços
Humanos dos EUA), bem como em numerosos livros e artigos
abordando o problema dos doentes mentais sem abrigo. Embora
diversas recomendações têm sido feitas por diversas pessoas,
pouco tem sido realizado para implementar essas recomendações em
larga escala. Isto pode ser devido a vários fatores, incluindo a
espera para que o ideal possa ocorrer. E este ideal é definido
como a aspiração por possuir um sistema de saúde mental mais
compreensível, bem coordenado e abrangente e que teria a
capacidade de induzir e de envolver os doentes mentais
sem-abrigo a aceitarem tratamento adequado voluntariamente e
medidas apropriadas de reinserção social. Mas ... já não podemos
mais contar com que este sistema ideal seja, de fato,
estabelecido. (Stubbs, 1998)
O problema dos doentes mentais sem-abrigo já foi capaz de gerar
questões que vão dos aspectos éticos aos jurídicos, e a resposta
pode residir em uma simples e direta clarificação de valores em
larga escala perguntando-nos a nós mesmos o seguinte: Será
possível para nós, uma nação rica e avançada se dar ao luxo de
permitir que este problema persista na forma como está? (Stubbs,
1998)
Um Fracasso a Nível Global
A Reforma Psiquiátrica Brasileira não tem nada de Brasileira
Por razões técnicas e também éticas, rejeitamos o conceito de
“reforma psiquiátrica” para o que está acontecendo no âmbito da
saúde mental no Brasil. Embora propagada a som de trompetes, a
chamada “Luta Antimanicomial” (as evidentes semelhanças com a
Força Tarefa para a Desinstitucionalização norte-americana não
são mera coincidência), com seus resultados deixando muitíssimo
a desejar, ao contrário do que muitos pensam (a propaganda
governamental chega a ser histérica ao anunciá-la), não tem um
pingo sequer de originalidade verde e amarela. A
desinstitucionalização psiquiátrica, definida como “a contração
dos setores institucionais tradicionais, com a concorrente
expansão dos serviços comunitários de tratamento” (Bachrach,
1976), já tem sido implementada em diversos países desde meados
do século passado.
Atualmente, a desinstitucionalização vem acontecendo nos EUA e
Europa fortemente estimulada pela Organização Mundial de Saúde
(órgão vinculado às Nações Unidas).
No Brasil, todavia e para piorar, este tipo de mudança na
atenção em saúde mental tem sido realizada com os mesmos
desastrosos modos de administração com os quais o atual governo
brasileiro vem administrando o Sistema Único de Saúde - SUS.
O Brasil encontra-se hoje entre os países com os piores
desempenhos de seus serviços públicos de saúde.
“O Brasil ocupa a 125ª posição no rank internacional de bom
desempenho dos sistemas públicos de saúde, e sua péssima
colocação chega a ser inferior a países como El Salvador, o qual
ocupa a 115ª posição. Os dez melhores colocados são, nesta
ordem: França, Itália, San Marino, Andorra, Malta, Singapura,
Espanha, Omar, Áustria e Japão. (World Health Report (2000)
Organização Mundial de Saúde, pp153)”.
*Nota: A Organização Mundial de Saúde (World Health
Organization-WHO) não realizou a classificação de desempenho dos
sistemas de saúde públicos em seu último Relatório Mundial de
Saúde de 2010.
Exemplos de Equívocos no
chamado Primeiro Mundo
Vejam esta curiosa afirmação retirada do Relatório Mundial de
Saúde, da OMS:
“Os sistemas de saúde mental vêm atravessando grandes reformas
em muitos países, tais como a desinstitucionalização, o
desenvolvimento de serviços baseados na comunidade e a
integração no sistema geral de saúde. É interessante assinalar
que essas reformas foram inicialmente estimuladas por fatores
ideológicos, pelo desenvolvimento de novos modelos de
tratamentos farmacológicos e psicoterapêuticos e pela crença de
que as formas alternativas de tratamento comunitário seriam mais
eficazes em relação ao custo. Até agora, contudo, a maioria
das investigações procurando demonstrar a eficácia desses
objetivos políticos desenvolveu-se em países industrializados e
há dúvidas quanto à viabilidade da generalização dos resultados
para os países em desenvolvimento.” (WHO; The World
Health Report 2001).
Até mesmo no Canadá, uma das nações com melhor qualidade de vida
do planeta, a desinstitucionalização psiquiátrica têm sido um
estrondoso fracasso, como nos mostra o seguinte trecho desta
matéria do jornal canadense The Province.
“É incrível pensar que a inovadora série de reportagens do The
Province sobre os doentes mentais sem casa ou abrigo - a
premiada "Loucura nas nossas ruas", escrita pelos jornalistas
Grindlay Lora e Ann Rees - apareceram neste jornal há 11 anos.
Infelizmente, esse é o tempo que tem sido evidente para qualquer
pessoa com olhos para enxergar que as políticas de cuidados para
com os doentes mentais têm sido um trágico fracasso. Basta olhar
ao redor. Centenas de pessoas estão vulneráveis a uma lamentável
e miserável existência nas nossas ruas, habitações sujas e em
locais perigosos ou em prisões - em grande parte devido aos
equívocos dos “advogados da justiça social” para mantê-los fora
das instituições psiquiátricas. Mas as pessoas mentalmente
doentes que assombram as nossas ruas e nos levam a afastar o
olhar por constrangimento devem realmente servir como prova do
fracasso da desinstitucionalização.” (The Province; 29 de
outubro de 2006)
Também nos EUA a desinstitucionalização tem se mostrado trágica,
como mostram as citações seguintes:
“A desinstitucionalização gerou uma crise de doença mental
devido ao despejo de pessoas dos hospitais psiquiátricos sem
garantir que estes recebessem medicação e serviços de
reabilitação na comunidade. Como resultado, o doente mental não
tem nenhum lugar para ir para tratamento e apoio. Dois milhões
de doentes mentais graves não recebem tratamento psiquiátrico.
Em vez disso, eles foram parar em prisões onde são desprovidos
de dignidade, de um tratamento adequado e também de compreensão.
Doentes mentais foram despejados de hospitais psiquiátricos pois
divulgou-se a idéia de que isto lhes permitiria viver em um
ambiente mais livre e mais humano com a melhora de seu
bem-estar. Em vez disso, vemos instituições psiquiátricas sendo
fechadas e amputados os seus orçamentos. Desnecessário dizer que
tal utopia não ajudou os milhares de doentes mentais que, além
de sofrer de doenças mentais, agora também têm que sofrer as
injustiças do sistema social.” (DMCA NEW; Mentally Ill in Jail).
“A redução de leitos psiquiátricos em hospitais públicos
aumentou o risco de suicídio em pelo menos 81 suicídios por ano
estatisticamente atribuíveis.” (Deinstitutionalization and
Suicide in the United States; Tim-Allen Bruckner, Ph.D; Jangho
Yoon, Ph.D; Richard Scheffler; University of California,
Berkeley; National Institute of Mental Health)
Resta-nos, portanto alguns questionamentos. São eles:
-Se a Organização Mundial de Saúde, abarrotada de burocratas e
de estatísticas sem fim, não desconhece a realidade dos países
industrializados e nem tampouco desconhece a realidade dos
países em desenvolvimento, e sabendo que tanto nos países mais
desenvolvidos como nos países mais pobres este modelo de
assistência em saúde mental não está funcionando, por que ainda
insiste em promovê-lo em larga escala? E por que o Brasil o
adotou de modo tão passivo? Lembrando aqui que a OMS não é, de
modo nenhum, representante das comunidades psiquiátricas destas
nações e muito menos porta-voz da comunidade científica
internacional.
Dr Eduardo Adnet - Médico Psiquiatra e Nutrólogo
Especialista Titulado AMB/ABP/ABRAN
Referências:
-American Academy of Psychiatry and the Law
-E. Fuller Torrey, Psychiatrist: How America's Failure to Treat
the Seriously Mentally Ill Endangers Its Citizens (2008)
-WHO;World Health Report (2000)
-WHO; The World Health Report (2001)
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-Isaac, Rael Jean & Armat, Virginia C. (1990) Madness in the
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-Torrey, Edwin Fuller. (1988) Homelessness and Mental Illness.
U.S.A. Today. 3:26-27.
-Torrey, Edwin Fuller. (1988) Nowhere to Go - The Tragic Odyssey
of the Homeless Mentally Ill. Harper and Row.
-The Province; 29 de outubro de 2006; Canada
-DMCA NEW; Mentally Ill in Jail
-Ministério da Saúde; Portal Saúde; Os Centros de Atenção
Psicossocial